sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

DANUBIO VERMELHO



Mais acostumados a divulgar vazamentos de petróleo que acidentes da indústria de alumínio, jornais de todo mundo espantaram seus leitores ao divulgarem no começo de outubro imagens da pequena cidade húngara de Ajka (a 160 km de Budapeste), inundada por um líquido espesso,
vermelho e altamente cáustico. A destruição, causada pelo rompimento de um reservatório de “lama tóxica” – como ficou conhecido o material, que chegou a alcançar o rio Danúbio –, trouxe à tona as sérias questões ambientais que envolvem a fabricação do metal. Para alguns pesquisadores, a catástrofe reforça a necessidade urgente de encontrar uma utilidade para esse resíduo corrosivo, que se acumula em gigantescas lagoas artificiais construídas em diversos
países onde há exploração de bauxita – entre eles, o Brasil. Da bauxita se extrai a alumina (óxido de alumínio), que depois é convertida em alumínio, o metal leve e maleável com o qual são feitas latas de bebidas, embalagens de alimentos e esquadrias de portas e janelas, para citar
apenas alguns exemplos domésticos.
Para produzir uma tonelada de alumínio são necessárias quatro toneladas de bauxita e, no processo de beneficiamento, são geradas duas toneladas de lama vermelha, explica Maria Lúcia Pereira Antunes, pesquisadora do Núcleo de Automação e Tecnologias Limpas da Unesp em Sorocaba.
“Ninguém sabe o que fazer com esse resíduo. É um enorme passivo ambiental.” Muitos veículos de imprensa chegaram a noticiar que o resíduo vazado em Ajka tinha alto teor de metais pesados, que são tóxicos (daí o apelido que a lama recebeu), mas a informação não foi confirmada pelo governo húngaro – e esses elementos não costumam estar presentes no processo de
beneficiamento ou na bauxita.
Os principais componentes minerais da Danúbio vermelho lama vermelha são óxido de ferro (de onde vem sua cor) e óxido de sílicio (na forma de areia e quartzo), além de uma pequena
quantidade de óxido de titânio. Teoricamente, a indústria poderia reaproveitar o óxido de ferro, mas a tarefa é economicamente inviável. “É mais barato extraí-lo da natureza”, afirma a pesquisadora.
Do ponto de vista ambiental, o maior problema da lama vermelha é sua característica alcalina, que faz com que ela queime e corroa quase tudo que toca. O método químico usado na extração de alumina a partir da bauxita usa como solvente o hidróxido de sódio, mais conhecido
como soda cáustica, que permanece no resíduo. Na escala de pH, em que 1 é o máximo da acidez e 14, o máximo da alcalinidade, a lama que vazou na Hungria atingia o valor de 13.
No Estado de São Paulo, onde a legislação ambiental obriga que as empresas diminuam a alcalinidade do resíduo, o pH da lama vermelha fica entre nove e dez. Mesmo assim, é algo agressivo o bastante para alterar o equilíbrio biológico de uma região caso ela seja afetada por um vazamento, principalmente se o líquido atingir os cursos d’água, como ocorreu em Ajka. Segundo Maria Lúcia, é difícil imaginar o impacto do acidente no rio Danúbio, dada a quantidade gigantesca de resíduo lançada no ambiente. As estimativas giram em torno de 700 milhões de litros de lama vermelha – mais que o volume calculado para o vazamento de petróleo no Golfo do México entre abril e agosto deste ano (cerca de 600 milhões de litros), o maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos.

Resíduo que limpa resíduo

A pesquisadora de Sorocaba é uma física que se tornou especialista na formação e caracterização da alumina e, de tanto visitar com seus alunos o reservatório mantido
por uma refinaria da CBA (Companhia Brasileira de Alumínio) em Alumínio, perto de Sorocaba, decidiu levar a lama vermelha para o laboratório e procurar uma utilidade para o resíduo. Com um projeto financiado pela Fapesp, ela quer saber se esse material pode ser usado no tratamento dos efluentes da indústria têxtil. “Por mais que a indústria trate os efluentes têxteis como manda a legislação, é muito difícil remover completamente os corantes (que tingem os tecidos)”, diz. “O resultado é uma água que sempre tem um pouco de cor.” Sua ideia é usar a lama vermelha da mesma forma como é usado o carvão ativado, para adsorver os corantes e deixar o efluente mais limpo.
A adsorção é um fenômeno físico no qual as moléculas de um fluido (o adsorvido)
aderem, por atração de cargas elétricas, a uma superfície sólida (o adsorvente). Maria Lúcia tem secado a lama até transformá-la num pó e imobilizá-lo numa placa, pela qual o efluente poluído passará e do qual, espera-se, poderá sair mais limpo. “Ainda estamos na fase de bancada, estudando as propriedades da lama e testando diferentes frações dela para ver que tipo de corante ela adsorve melhor”, explica.
Enquanto isso, seu colega Fabiano Tomazini da Conceição, geólogo da Unesp em Rio claro, faz algo parecido, mas com finalidade um pouco diferente. Ele quer saber se a lama tóxica é capaz de remover metais pesados da água contaminada.
Os resultados, também neste caso, são preliminares. Trabalhando com metais como chumbo, cobre, cádmio e níquel, ele tem feito testes para saber quanto o material é capaz de adsorvê-los. “Usamos a lama in natura ou ativada, isto é, quepassa por um tratamento térmico, com o objetivo de aumentar a adsorção”, explica. O projeto conta com apoio do CNPq.

Expertise australiana

Especializado no manejo de bacias hidrográficas, Tomazini começou a se interessar
pela lama vermelha durante o pós-doc na Universidade de Brisbane, na Austrália, de onde voltou no ano passado com o contato de alguns pesquisadores.
Ele já conhecia Maria Lúcia do câmpus de Sorocaba, onde trabalhou até 2008, antes de se transferir para Rio Claro. Os interesses dos dois convergiram e agora é ela que está de malas prontas para Brisbane, para um estágio de três meses. Maior produtor mundial de bauxita, a Austrália é também o país que mais investe em pesquisas para transformar o resíduo da fabricação do alumínio em algo útil. Uma das linhas de pesquisa dos cientistas australianos, conta Tomazini, é o uso da lama vermelha para a adsorção de gás carbônico. Se mostrar capacidade e eficiência para sequestrar um dos principais responsáveis pelo efeito estufa, o resíduo poderia ser usado em filtros de escapamentos e chaminés. Adsorver corantes, metais pesados ou gás carbônico é um jeito de dar utilidade para a lama vermelha, mas isso não elimina
elimina o problema de ela continuar ocupando espaço no planeta, sempre correndo o risco de contaminar o ambiente, alertam os pesquisadores. Por isso, a segunda etapa
das pesquisas envolve o uso do resíduo (com qualquer coisa que estiver adsorvida
nele) na fabricação de concreto e tijolos.
“Só assim a gente resolve um problema de escala, já que a quantidade de lama produzida é muito grande”, diz Maria Lúcia. No caso do concreto, a ideia é substituir
uma fração da areia por lama vermelha. Para os tijolos, a situação é mais delicada.
“Como é um material cerâmico, envolve queima. Nós precisamos saber que tipo de resíduo vai sair pela chaminé, senão o que poderia ser uma solução ambiental, vira
um problema”, pondera a pesquisadora.
A pesquisa está só começando. “Temos de entender como os grânulos da lama e os minerais contidos nela vão compor a estrutura do tijolo”, afirma Tomazini. Uma das preocupações, no caso da lama usada previamente como filtro de metais pesados, por exemplo, é que esses elementos se despreguem do material que venha a ser usado na construção civil e contaminem o ambiente. Com essas questões em mente, o geólogo de Rio Claro deve ir ainda este ano ao Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, para analisar suas amostras sob poderosos microscópios eletrônicos (de forma semelhante ao explicado no “Como se faz” desta edição, a partir da pág. 12).
As empresas produtoras de alumínio demonstram interesse nas pesquisas com a lama vermelha, segundo Maria Lúcia. “Isso ocorre no mundo inteiro, porque o custo de manter uma lagoa (reservatório) é altíssimo. Tem que haver monitoramento contínuo”, comenta. A lagoa mantida pela CBA em Alumínio, de onde vem o resíduo que está sendo testado pelos pesquisadores da Unesp, ocupa uma área de 1 hectare e tem capacidade para 870 mil metros cúbicos. Em 2024, ela deve ser desativada. “Depois disso, vão ter que procurar outro lugar [para armazenar o resíduo]. É um passivo para a vida inteira.”

FONTE: http://www.unesp.br/aci_ses/revista_unespciencia/edicao_15/a-face-vermelha-do-aluminio

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